terça-feira, 12 de maio de 2009

Os filmes dizem tudo que os pais não têm tempo para ensinar

Não tinha coragem de se largar de vez, sem cordas nem pinos, no abismo da esquizofrenia, mas, por vezes, sentia que seu mundo era o do lado de lá.
Durante anos, aninhou seus desejos, inocente e inconsequentemente, em narrativas que não eram suas. E espelhou as suas histórias nos predicados de outros sujeitos.
Órfã que era, mergulhou no mundo de fantasia de uma história sem fim e encontrou o tesouro de Willi “O Caolho”. Se apaixonou pela primeira vez por um homem mais velho que usava chapéu e manejava um chicote como ninguém. E começou a gostar de História passeando pelos séculos num DeLoren voador.
Compulsiva desde criança, viciou-se, muito cedo, na sensação de viver através do transe hipnótico das imagens em movimento.
Da fantasia infantil, passou direto às paixões da juventude e, aos
16 anos, vivia a vida de cão de Ângela Chase. Inadequada e perdida na tentativa de conciliar a busca pela sua verdade com o pertencimento de formas, gostos e amizades que lhe cobravam artificialidades um tanto inoportunas.
Todos os dias, depois do colégio, gastava suas tardes escrevendo e reescrevendo, de olhos fechados, aventuras amorosas com Jordan Catalano, a versão grunge do príncipe encantado dos anos 90, com seus cabelos compridos e sua camisa de flanela à la Kurt Cobain.
Com o passar dos anos e a ampliação dos conflitos, virou Lelaina Pierce, uma mulher de 23 anos, recém formada em jornalismo catando seu lugar no mercado, entre a manutenção do sonho e cobrança do mundo material.
Lelaina era documentarista mas ganhava a coca light de todas as horas trabalhando em um cargo porcaria num programa de televisão. Desvalorizada, sub-aproveitada, sem dinheiro e tentando entrar no mundo dos adultos sem perder a ternura.
Não conseguiu. E, logo era a moça perdida na tradução de letreiros japoneses, olhando pela janela a paisagem desconhecida da metrópole que a engolia, sem reconhecer, nem nos rostos familiares, uma nesga de sol que acalentasse a esperança.
Inspirada na dor de Charlotte, virou a vida do avesso, questionando eu, tu, eles e todos os nós embaraçados das identidades em transformação.
Jogou fora tudo que tinha como certo e se viu soterrada no arrependimento. Respirou fundo e se organizou para resgatar o que ainda servia. Foi a Montauk, de suéter laranja e cabelos vermelhos, e esperou. E com o pé fincado na areia, viu surgir novamente o brilho eterno das lembranças que ainda seriam construídas.
Agora, chegando aos 30, com Saturno a deixando em paz, pretendia resgatar um pouco de tudo: a fantasia da infância, a inspiração da adolescência, a vontade da juventude e a consciência de que crises acontecem. Iria, tranquilamente, esperar pelo próximo filme que mudaria a sua vida.

2 comentários:

bia disse...

Que bom que vc voltou, Dona Baratinha...
Seus textos me deixam sem ar!
Beijos

Anônimo disse...

Dona Baratinha...

Espero ansiosamente pela próximo filme, recheado de emoção a 24 quadros por minuto, que não seja blockbuster mas que nos leve em aventuras imperdíveis, ações espetaculares e sonhos impossíveis...

Show !

beijo

Ricardo Pereira